Sonhos adormecidos...
Há quanto tempo inertes,    arquivados, esquecidos?
-   Dez, vinte.. trinta   anos...
Mas, tal qual  o sol nas manhã s de domingo despertaram vigorosos, iluminados,  coloridos.
Nas lembranç as   a menina  sonhadora   estendia  as mã os para  a esperanç a.
Vontade de vida...
Mas, o tempo...
O tempo  dobrou tantas esquinas, perdeu- se  nos becos da ilusã o, ousou viajar  para  o paí s a  alegria, caminhou   descalç o na areia fina,  banhou- se em rios de pranto, encantou- serarí ssimas vezes.
Apressado voou com as gaivotas, pulou  ondas,  singrou mares, abreviou   fases da lua.
Sorrateiro subtraiu  as horas, os dias, os anos, os planos.
Plangente dicotomia  - sonhos, alma, amor – realidade, espelho cruel.
Desavisados casulos   libertaram prematuramente as borboletas – morte.
Na mente o bailar dos sonhos, os gritos da alma  carente de amor,   coraçã o  solitá rio de há muito
calado.
Mas a menina!
  A menina sonhadora,  intensa, construtora nata de sonhos  jamais   vivenciou  os   planos de ser feliz.
E os anos... ah os anos voaram feito  colibris em busca do né ctar das flores nas
manhã s primaveris.
Lembrou- se do aniversá rio de 15 anos – bolo, velinha, festa, vestido?
Nada disso!
Acordou no dia seguinte para enfrentar a longa
fila, precisava da carteira profissional.
Nã o imaginava estar perdendo a é poca mais preciosa da vida envolta nos problemas
  familiares - desentendimento   dos pais,   educaçã o dos irmã os mais novos,   responsabilidade de contribuir  para com o sustento da famí lia – uma menina...
Estudos?
À revelia concluiu tardiamente o antigo giná sio.
Trabalho de sol a sol, vez ou outra  o cinema.
Vida dura, dinheiro contato, roupas  precá rias, um  ú nico par de sapatos – de plá stico.
Via- se sem qualquer atrativo, apá tica, madura emocionalmente  diante das adversidades da
vida.
Pressã o, opressã o, responsabilidades, solidã o.
A determinaçã o garantiu- lhe um cargo  de  lideranç a antes dos vinte, na á rea administrativa.
Quantas lembranç as...
Entre a saudade e a angú stia  viu desfilar as  imagens, as situaçõ es do cotidiano, o galgar dos degraus   na esfera profissional, as pessoas  queridas que se foram.
Perdeu a conta...
Vestido de noivado emprestado,  a casa sem
 chuveiro, alimento contato, sensaçã o de estar
 sozinha no mundo, de filha tornou- se mã e dos 
pais e dos irmã os.
O que imaginara ser o amor da vida conhecera casualmente na estaçã o ferroviá ria morreu nas
vias do interesse material   - falante como ela  só desde a tenra idade, viu- se conversando com
o rapaz enquanto esperavam o trem.
O  bom gosto para se vestir herdou da mã e, mesmo possuindo poucas trocas de   roupas.
No primeiro encontro com o entã o professor de  artes, que viria a ser  o marido estava vestida com   terninho reto, verde bandeira e   blusa bá sica   de gola olí mpica cor de vinho.
Amante das artes sentiu- se   feliz quando o pretendente se dispô s a lhe dar aulas de pintura. 
Uma ú nica tela, jamais acabada.
O desenho da silhueta de perfil   inserida em  uma estrela estilizada com listras multicoloridas
  e  fundo preto acompanhou- a por mais de  trê s dé cadas.
Nã o sabe que fim   levou...
Enfrentou a famí lia, é poca em que os pais achavam- se no direito de  sentenciar a vida
pessoal dos filhos  reprovando a bel prazer   as pessoas sem ao menos conhecê-las.
Dolorosas lembranç as mescladas com o  despertar dos sonhos.
Casamento, filhos, carreira, estudos.
Lá grimas incontidas, tudo deu em nada  -   pensava  em meio à profusã o de imagens enquanto esperava
ser atendida no posto de saú de.
Reconhecimento profissional, filhos encaminhados.
Sentimentos perdidos na tela inacabada da vida.
Perdera- se de si mesma – talvez.
Conquistas materiais, perdas afetivas.
Há cinco anos o mundo desabara,   fim do relacionamento - fora traí da.
Nos primeiros dias desespero, precisava  ter algué m, como viveria sozinha!
Mas a dor maior  experimentou quando a  realidade lhe deu bom dia – de há muito
caminhava só.
Doloroso existir.
De um lado a profissional respeitada.
De outro o ser humano esquecido, arquivado nas gavetas do interesse deslavado do mundo 
que a cercava.
Na consulta  daquela tarde, exames de  rotina – todos normais.
Mas  o coraçã o, este   banhado nas lá grimas incontidas das lembranç as.
O fio de vida que a sustentava despertara a menina sonhadora, as  lembranç as, a vida,  o  tempo que
 se foi – quanto tempo perdido cuidando de tudo e de todos – menos de si.
  Gradativamente habituou- se à solidã o, ao   telefone mudo à s ausê ncias cada vez maiores.
Reaprendeu a viver, a olhar para dentro de si, a  buscar a  paz e a   esperar do mesmo tempo que lhe furtara tantos sonhos a possibilidade de um dia  vir a devolvê-los...
Apressou- se por conta do horá rio – o  estacionamento  onde deixara o veí culo 
fecharia em poucos minutos.
Antes de retornar para casa   passou na floricultura, comprou uma dú zia de rosas brancas.
Na mesma calç ada a  cafeteria, mesa escolhida no cantinho.
Soube que o estabelecimento    naquela semana mudara de  proprietá rios.
Um senhor de  cabelos prateados no caixa, trê s   balconistas novas.
Pediu  o habitual –  café com leite e pã o de queijo.
A festa de casamento farta, a banda, a alegria dos convidados.. tantos anos...
Naquela tarde as lembranç as  despertavam aos borbotõ es.
De tã o absorta no passado esqueceu sobre a   mesa  do café as rosas brancas.
Estava entrando no veí culo quando o senhor de cabelos prateados surgiu sorrindo  portando o ramalhete.
-  Você queria deixar de presente?
Balbuciou enquanto fez mençã o de entregar- lhe.
- Ah antes  permita- me dizer,  sou Alberto, e você  como se chama?
Estranhou ser chamada de você, (poré m gostou),    percebeu o brilho no olhar do interlocutor.
- Maria Luí za, muito prazer!
Conversaram alguns minutos, o que se repetiu nos dias seguintes.
Passou a achar irrelevante a dicotomia entre os  sonhos da  menina  esperanç osa que morava
em seu interior e a realidade imposta pelos  anos – completaria sessenta nos
pró ximos meses.
Soube que Alberto ficara viú vo há dois anos.
Tinham a mesma idade.
O que  a vida lhe subtraiu na adolescê ncia,  passou a devolver- lhe em abundâ ncia.
Alberto pediu- a em namoro.
Passou a cercá-la de mimos, carinho, atençã o,  flores, bilhetinhos, cançõ es, surpresas.
Amor outonal, doce, suave equilibrado, pra  sempre!
Passados alguns meses, Alberto procurou os  filhos de Maria Luí za sem que  ela soubesse,
noticiou o namoro,   compartilhou a felicidade  que estavam vivendo.
Fez o mesmo com os seus filhos.
Maria  Luí za  faria aniversá rio no pró ximo final de semana.
Na segunda feira, logo pela manhã um imenso  buquê de rosas cor champanhe,   acompanhado
 do cartã o dourado, onde Alberto escreveu um apaixonado poema a ela dedicado.
Feliz da vida   abraç ou as flores,  releu o cartã o inú meras vezes. 
Perto da hora do almoç o   ele chegou de  ponta de pé.
Ouviu a amada recitar apaixonadamente  o poema.
Maria  Luí za  completaria 60 anos no  sá bado.
Sem que percebesse auxiliado pelos familiares   Alberto organizou a festa surpresa.
Pela  primeira vez teria   ele teria uma   festa de aniversá rio!
Nos dias que antecederam   surpresas diá rias  acompanhadas de carinho – o afeto sonhado na juventude provado no outono do existir.
Sá bado pela manhã  o ramalhete com doze rosas brancas para comemorar o primeiro encontro – até entã o haviam se passado seis meses.
Lembranç as   do passado arquivadas,   no presente sonhos vivenciados em  todas as nuances da breve vida.
Apó s o café da manhã Alberto convidou- a para a caminhada diá ria.
Maria Luí za sentiu- se desapontada.
No í ntimo imaginava   uma   festa de aniversá rio,  mas o silê ncio sobre o assunto dava a entender
que nã o a   teria.
Alberto  combinou com os   familiares de eles  preparar a festa    no   enorme alpendre dos fundos.
Rosas brancas, mesa de doces, bolo decorado,velinhas, balõ es, e uma enorme faixa autografada por todos – filhos, noras, genros,  netos.
Maria Luí za, nó s te amamos!
Feliz Aniversá rio!
Festa pronta, felicidade transbordando, famí lias
 unidas.
Marcos, o filho mais novo de Alberto   combinou com todos para esconderem   no interior da casa  para aguardar a volta do casal.
Meu bem, vamos estrar pelos fundos, acabei
levando a chave errada, disse- lhe Alberto quando se aproximavam do portã o de entrada.
Maria  Luí za  sequer imaginou o que a esperava.
Mal adentraram no corredor   as crianç as foram  surgindo – Feliz Aniversá rio vovó!
Em seguida os filhos, os familiares, a festa!
Tocada pela emoçã o de sua primeira festa de aniversá rio Maria Luí za   chorou copiosamente
abraç ada ao amado, dizendo a todo  o  momento – nã o sei   o que te dizer, nã o sei
como  te agradecer meu amor!
Ao se aproximar da mesa adornada com  as rosas brancas cercada de carinho por todos,
Alberto pediu a palavra.
Da sala veio o violinista tocando Tema de Lara...
Silê ncio...
Apenas a cançã o emoldurava a  voz embargada., visivelmente emocionado, perante todos 
 declarou seu amor por Maria Luí za.
A menina sonhadora sentiu sua alma em festa, como nunca!
- Vovó, vovó!
Mariana a neta de oito anos   surgiu ao seu lado de mã os dadas com Adriano, neto de Alberto, 
portando uma caixinha dourada nas mã os.
Vovó, a gente tem uma surpresa para a senhora!
-É mesmo vovó! 
Espere, disse o pequeno Adriano!
 
Vovó Alberto tem  uma surpresa para a senhora!
- Vem vovô, vem logo!
Dito isto entregou a pequena caixa para Maria Luí za.
- Alberto transbordando de amor disse  suavemente - antes   de cantarmos para você minha querida, diante de todos quero que   você de olhos cerrados abra o presente.
Maria  Luí za  sentiu- se nas nuvens,  indescritivelmente feliz!
 Quando tocou percebeu o conteú do –   um par de   alianç as!
Diante da emoçã o de todos, abriu os olhos  marejados de lá grimas,   agradeceu a Deus.
Olhou nos olhos do amado.
Alberto   ternamente tocou as suas mã os, pegou as alianç as da caixinha,entregando a maior para ela.
Trê mulo de emoçã o entregou   fez o pedido sob os  aplusos de todos. 
- Maria  Luí za, quer se casar comigo?
O sim para a vida revelou- se na cumplicidade do olhares de ambos.
Parabé ns pra você, nesta data querida...